A Chave Da Primeira Vez

A chave da primeira vez
Mikahel Fernandes

Dizem os mais velhos que a primeira vez é inesquecível. Eu nuca concordei com a frase pois muitas de minhas “primeiras vezes” foram passadas em branco. Não me lembro, por exemplo, da primeira vez em que eu me equilibrei sobre as duas rodas de uma bicicleta, ou que escrevi meu primeiro poema, apesar de terem sido coisas precursoras para coisas importantes para mim atualmente. E o primeiro beijo, qual a importância? Para mim é mais um tabu. Se me perguntassem se me lembro da primeira vez que beijei a minha namorada, eu diria que me lembro da primeira vez que acariciei sua pele, lembro a roupa que ela vestia, o lugar e eu tinha treze anos. Lembro da forte emoção que eu senti quanto aquilo e um beijo tinha muito pouca importância.
Se me pedissem para lembrar os poucos e inúteis beijos mal dados em outras garotas antes dela, eu lembraria do tempo em que passávamos horas perto um do outro sem sequer ter o que conversar. Será que a primeira vez, para mim, chega sempre depois da segunda? Talvez a primeira vez seja aquela que marca e não um movimento mecânico sem emoção e sem importância futura. Eu não me lembro da minha primeira professora, nem da segunda, ou da décima terceira, mas me lembro do professor que colocou em minha redação, pela primeira vez, uma mensagem que dizia: “Você tem veia de escritor”.
Se eu não tivesse realmente ido a busca de A. para que ele me esclarecesse o acerca de quê queria ter comigo, eu talvez não tivesse ouvido uma bela história de coragem e ousadia. E de uma primeira vez.
A. é um garotão que tem a minha idade. Confesso que inúmeras vezes critiquei a vida de A. como mais uma criança crescida que vê sua vida passar diante da janela, com suas milhares de aventuras, enquanto fica sentado na frente da televisão ou do computador. Mas este menino fez algo que extrapolou as minhas expectativas e tocou fundo a mim, bem no setor do coração onde a primeira vez fica guardada.
Eis que o menino jamais havia namorado alguém. Afora deboches e brincadeiras de mal gosto, existiu algo no meu coração que sempre ditou que algo deve ser feito quando se quer faze-lo com entusiasmo e não quando se acha que se deve fazer. Isso é cair na rotulação e por mais que se insista, o moralismo não vai fazer parte do íntimo do ser humano: ele irá comandar o intelecto, moldar regras inúteis e tentar construir princípios, mas, no fundo do ser humano existe algo mais importante do que qualquer valor—Ele mesmo.
A. me havia falado à respeito de uma mulher sobre a qual se havia envolvido apenas emocionalmente. Uma recente amiga, simpática e carinhosa que lhe despertou algo novo. Nada demais até então. Fiquei imaginando o que ele queria que eu opinasse a respeito disso ou que eu ajudasse-o a conquistar a garota—mas quem sou eu para me meter em tais coisas? Tudo que eu tenho sã palavras e palavras muitas vezes não são nada além de uma combinação lógica de letras. Mas a história ia além do que eu poderia imaginar.
O menino me disse que tudo começou quando os dois estavam a conversar sobre virgindade. Virgindade: o ponto onde todos estes temas se encontram. O moralismo, a memorável primeira vez acompanhada da emoção composta de medo, ânimo e espontaneidade da qual é digna, se unem em uma pequena membrana. Mas tudo na vida é uma pequena membrana. Talvez com o mesmo objetivo, a natureza colocou no homem uma ligadura chamada comumente (e grotescamente) de cabresto, que deveria ser rompida no primeiro ato, mas como os homens são insensíveis e a sua primeira vez nada costuma ter de especial, é raro que tal coisa se rompa depois dos doze anos. Também a natureza entende o que deve ou não ser a primeira vez. Assim como a medicina criou a himenoplastia, na tentativa de reconstruir a película feminina: algo que não tem o mínimo sentido, quando muitas mulheres preferem fazer a sua retirada para evitar a controvertida dor que se fala acerca da sua ruptura.
Também eu já discorri muito sobre o tema com amigas, mas não com o mesmo impacto. A garota com quem A. conversava era cerca de seis anos mais velha que ele e tinha um filho, e ele nunca havia se relacionado com ninguém. Talvez fosse ele inocente por estar a se meter com uma mulher dessas. Talvez fosse ela merecida, por ter um jovem apaixonado em toda sua pureza e vendo a mulher que havia além do seu corpo. Mas não cabe a mim julgar tais coisas.
—Minha família está a por areia no relacionamento—Disse o garoto.
—E daí?—Perguntei eu.
—Daí que minha pá é maior que a deles.
Nossa família sempre quer o nosso bem. Talvez eles devessem saber que fazer o bem não é ficar se metendo na nossa vida. Certa vez ouvi uma história de um menino que viu uma mariposa tentando sair do casulo. O bicho usava as suas asas frágeis para cortar o rígido abrigo e o garoto tentou ajudar. O menino tomou sua tesoura e cortou as folhas do casulo. Eis que a mariposa caiu com suas asas fracas e molhadas enroladas pelo corpo, sem ter forças para abri-las e voar pelos céus. Então a mariposa morreu. O menino percebeu que fazia parte do seu ciclo cortar as paredes do casulo com as próprias asas, para que adquirisse a força necessária para que pudesse volitar. Também nós temos que aprender por nós mesmos.
—Esta garota faz programa—Disse a mãe de A.
—Não—Disse o garoto—Ela não faz, se o que ela faz é programa, conheço amigas suas que fazem a mesma coisa.
—Você já tem idade para saber o que fazer da vida.
De fato o menino o tinha, e não discordei quando ele disse que se suas tias continuassem a se meter ele iria provocar briga. O fato é que a mulher, seis anos mais velha, parece estar gostando disso tudo— E qual mulher, repito, qual mulher, por mais desvalorizada que seja, não gosta de alguém que lhe dê valor de verdade?
—Ela simplesmente quer que eu responda uma coisa—disse o rapaz—Por que eu a escolhi.
Foi então que ele me entregou uma carta com sua resposta para que eu analisasse. Enquanto lia a carta e ele conversava comigo, ainda conseguia raciocínio para refletir sobre outras coisas. “O virgem e a prostituta”, obviamente daria um bom livro, de fato, preciso ser psicólogo para encontrar com este tipo de maluquice.
Foi difícil para mim falar alguma coisa, uma vez que eu só havia visto este tipo de coisa em filmes e nunca de tal forma. Dizer que entendo a cabeça humana é um exagero hiprbólico, se o pudesse já teria me matado há muito—alguns malucos ainda me fazem ter a certeza que o homem nunca vai entender o homem. Dizer que entendo as mulheres seria absurda mentira: primeiro por que as mulheres não são generalizadas—existem marias, joanas, josefas e não só “mulheres”. Segundo, por que é menos ousado tentar manipular um demônio do que uma mulher. As mulheres que conheço—será que conheço—são delicadas e inteligentes e é esta simplicidade que as torna tão complexas. E ainda existem mulheres terríveis com um chicote e um a jaqueta country, cortando a poeira do deserto que trazem no olhar o poder de mover montanhas. Essas são as mais admiráveis. Não ouso aproximar-me delas. Uma coisa é unânime: todo ser humano precisa de atenção, talvez as mulheres precisem mais da atenção dos homens, do que os homens delas, mas é uma verdade.
De toda forma, conclui eu a leitura da carta do menino e elogiei a forma como ele estava a escrever.
—Está bom?—Perguntou A.
—Excelente.—Disse eu—Jogue fora.
—O quê?
—Isso mesmo, jogue fora. Ela quer uma resposta? As mais belas coisas desta vida não são feitas de palavras, mas do que está além delas. Olhe em seus olhos e não diga nada, apenas olhe para ela e beije-a. Você não precisa dizer nada. Tudo que é preciso dizer já foi dito.

1 comentários:

Anônimo disse...

É perfeito!

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